Governança de crédito: uma jornada de maturidade

Oct 20 / Luiz Tangari

Toda empresa que dá crédito passa por uma jornada de amadurecimento, e cada passo nessa trilha traz um ganho claro: mais previsibilidade, menos erros e muito mais segurança para crescer.

Os cinco níveis abaixo são uma forma simples de enxergar essa evolução. Claro, na prática os temas se misturam, mas o desenho ajuda a entender a curva de maturidade que a maioria das empresas percorre.

Nível zero — caos

O crédito é decidido na base da opinião. As decisões são baseadas em opinião, lembrança e feeling. As informações estão na cabeça das pessoas e as aprovações acontecem por telefone ou WhatsApp entre o dono, o financeiro e o time de crédito. Não existe registro das decisões nem histórico dos clientes. Quando há crises de inadimplência, a reação típica é culpar a capacidade de julgamento das pessoas, e não revisar processos.

Nível um — começando

A empresa passa a usar serviços de consulta individual (CPF/CNPJ) que buscam dados de bases públicas e privadas e o time de crédito monta relatórios básicos de risco, normalmente submetidos a um comitê.

As decisões começam a ser formalizadas, mas o racional ainda não é registrado. Os limites aprovados são lançados no ERP, e o cadastro de clientes ainda é incompleto.

O time comercial continua alheio ao processo de aprovação de crédito.

Nível dois — básico

Além das consultas cadastrais, existe uma ficha de cadastro estruturada. Os produtores enviam IR e anuência para consultas de endividamento e CPR; as empresas, balanços e DREs.

Esses dados alimentam o perfil digital dos clientes. Começam os esforços de validação das áreas produtivas.

O processo de decisão é guiado por uma política de crédito clara, e o racional de cada aprovação passa a ser registrado. Um sistema de automação da esteira de crédito permite implementar a política de forma sistêmica, substituindo a antiga planilha da fase anterior. Ferramentas de automação conectam as áreas e permitem aprovações em 24 a 48 horas.

O processo ponta-a-ponta começa a tomar forma, trazendo alguma estabilidade e previsibilidade ao fluxo de aprovações.

Nível três — intermediário

Surge o time de campo de crédito, ou o próprio comercial assume esse papel, com o objetivo de construir cadastros de alto nível, muitas vezes com apoio de aplicativos. A empresa sabe, com alto grau de certeza, onde e quanto cada produtor produz.

Há um indicador de qualidade cadastral e um nível mínimo exigido para aprovação. O processo de aprovação está maduro, com monitoramento de exceções (crédito fora de política).

A operação passa a medir KPIs como tempo de tramitação, qualidade de cadastro e nível de formalização.

A visão de risco evolui: entende-se o mix de crédito aprovado e, mais tarde, o risco embutido na carteira de recebíveis. Ferramentas de formalização (barter, CPRs financeiras) e monitoramento de risco durante a safra se tornam parte do dia a dia.

Nível quatro — avançado

A política de crédito é medida e calibrada safra a safra com base em resultados reais (backtest). O risco estimado é comparado com a inadimplência efetiva, e os aprendizados alimentam novas versões da política.

Limites passam a variar conforme a presença de garantias formais. Há desdobramentos por categoria (fertilizantes, defensivos, sementes), otimizando a relação risco/margem.

A empresa produz relatórios internos de risco de carteira que comunicam, de forma objetiva, o perfil de risco assumido, podendo inclusive compartilhar esses dados com fornecedores e financiadores estratégicos. Começa a predominar uma visão estatística de crédito. A formalização se aprofunda, e a operação passa a integrar um verdadeiro “cardápio de crédito”, combinando barter, CPRs financeiras e outros instrumentos.

Nível cinco — excelência

O processo é totalmente transparente e auditável em tempo real. Parceiros e financiadores podem acessar, com segurança, a trilha de crédito da empresa.

Produtos financeiros se conectam à esteira comercial de forma fluida e sem fricção.

O negócio de crédito já é separado do negócio de insumos: a margem comercial e o spread financeiro são tratados de forma independente. Essa maturidade permite dar o próximo passo, criar um banco próprio, estruturar parcerias financeiras ou operar veículos de crédito dedicados.

O crédito passa a ser visto com um centro de receitas ou o financiamento é bancarizado por completo.

Conclusão

Reduzir esse processo a cinco estágios é, claro, uma simplificação: há aspectos que evoluem em paralelo e cada negócio exige soluções próprias.

Ainda assim, essa pode ser uma visão útil para ilustrar como o processo funciona.